FIREXTR: Prevenir e preparar a sociedade para eventos extremos de fogo: o desafio de ver a floresta e não somente as árvores

Leia a entrevista a Fantina Tedim, coordenadora do projeto internacional FIREXTR, cofinanciado pelo COMPETE 2020, que visa desenvolver e otimizar um modelo integrado de prevenção e supressão de incêndios, apoiado numa estrutura inovadora de governança.

 

 
1. Entrevista
 
1.1 O que considera ser o elemento diferenciador do projeto em que trabalha?
 
Os incêndios extremos são um enorme desafio que Portugal e outros países (p.ex. Australia e Estados Unidos da América) enfrentam e que devido às mudanças na dinâmica dos territórios e às alterações climáticas, se acentuará ainda mais no futuro.
 
O projeto FIREXTR tem como objetivo compreender como se formam os incêndios extremos, como é possível preveni-los e preparar a sociedade para responder em caso da sua ocorrência, de modo a evitar tragédias como as que ocorreram em 2017, em Portugal.  
 
O projeto FIREXTR procura claramente preencher uma lacuna no conhecimento científico mundial, adotando uma visão holística e transdisciplinar para produzir conhecimento científico bem fundamentado sobre este tipo de incêndios e que possa ser aplicado independentemente do contexto geográfico e cultural.
A área de estudo é Portugal, mas os impactos dos resultados obtidos são transferíveis para qualquer parte do mundo.   
 
1.2 Quais os principais desafios com que se depararam no desenvolvimento do projeto?
 
O primeiro desafio tem sido gerir uma equipa multidisciplinar de investigadores internacionais que estão habituados a ver os incêndios apenas pelo seu ângulo disciplinar. “Obrigar” cada um dos investigadores a tentar compreender os incêndios extremos como uma realidade objetiva e não apenas pela sua perspetiva disciplinar não tem sido tarefa fácil. O facto de os investigadores e consultores do projeto serem provenientes de oitos países (Austrália, Canadá, França, Grécia, Itália, Portugal e Estados Unidos da América), em que o problema dos incêndios extremos é uma realidade importante, obriga a ultrapassar especificidades culturais.
 
O segundo desafio tem sido fazer uma gestão muito criteriosa dos recursos financeiros pois, como reconheceu o painel de avaliação, o orçamento do projeto (e que foi o máximo possível) era reduzido face às tarefas que seria necessário executar para produzir a visão holística dos incêndios extremos e responder aos objetivos. 
 
1.3 Quais os resultados concretos esperados no âmbito do projeto?
 
Embora falte um ano para o fim do projeto e a divulgação de todos os resultados concretos que se perspetivam, podemos desde já realçar três resultados obtidos que representam inovações a nível mundial:
 
  1. O projeto FIREXTR é líder mundial na apresentação de uma definição de incêndio extremo que pode ser aplicada em qualquer parte do mundo. Criteriosamente fundamentada, esta definição é um sólido suporte para o desenvolvimento de políticas adequadas para a prevenção e gestão dos incêndios extremos. Esta definição foi apresentada num artigo científico publicado na revista FIRE (http://www.mdpi.com/2571-6255/1/1/9, em 25 de fevereiro de 2018). Num período de apenas dois meses desde a publicação, o artigo já teve mais de 1300 downloads e foi já citado três vezes em trabalhos científicos. Para além da definição, no nosso artigo claramente se demonstra que os incêndios são um problema socio-ecológico e que se por vezes poderá não ser possível evitar a ocorrência de incêndios extremos, será sempre possível evitar que esses se transformem em catástrofes. São inúmeros os desafios que estes resultados colocam à política de gestão dos incêndios em Portugal.
 
Figura 1: Evolução do número de downloads do artigo e sua distribuição espacial
Fonte: http://www.mdpi.com/2571-6255/1/1/9 consultado em 20 de abril de 2018
 

2. O projeto FIREXTR é líder mundial na apresentação de uma classificação dos incêndios em que são distinguidas sete categorias de incêndios (quatro categorias de incêndios “normais” e três categorias de incêndios extremos). Esta é a única classificação atualmente conhecida a nível mundial. Fundamenta-se nas características internas dos incêndios e baseia-se em critérios quantitativos. Pode ser aplicada em qualquer parte do mundo, independentemente das características geográficas e culturais dos países. Esta classificação claramente demonstra que os incêndios extremos não são controláveis, nem em Portugal nem em regiões em que o dispositivo tecnológico é extremamente avançado e a formação e organização dos recursos humanos se aproxima da “perfeição”. 

3. O projeto FIREXTR é líder mundial na apresentação de uma nova forma de pensar, planear, gerir e financiar a prevenção e mitigação dos incêndios, incluindo os eventos extremos, que se designa por Fire Smart Territories (FST). O número de citações deste nosso artigo continua a aumentar.

Parte dos resultados do projeto FIREXTR serão condensados num livro -Extreme wildfires and Disasters- que será publicado, no primeiro semestre de 2019, pela Editora Elsevier. 
 
1.4 O que considera ser crítico para o sucesso do vosso projeto?
 
Em termos científicos, para o sucesso do projeto FIREXTR importa manter a abordagem transdisciplinar e continuar a pautar toda a investigação por padrões de excelência, de modo a criar um corpo teórico sobre incêndios extremos que possa facilmente ser operacionalizado e tenha impacto a nível mundial. 
 
Em termos do impacto social do projeto FIREXTR será importante que os decisores políticos conheçam a investigação de ponta com impacto mundial que está a ser realizada e que nos seja dada a possibilidade de apresentar e discutir os resultados em grupos de trabalho.  Os resultados inovadores do projeto FIREXTR respondem a vários dos 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável propostos pelas Nações Unidas (Agenda 2030, ONU) nomeadamente, a   ação sobre as mudanças globais do clima (desafio 13) e o uso sustentável dos ecossistemas terrestres (desafio 15)
 
1.5 O sistema científico ainda é pequeno para as necessidades do país?
 
O sistema científico ainda é pequeno porque o país tem reduzida dimensão, mas no campo da investigação dos incêndios no espaço rural tem reconhecimento mundial.
Assegurar a continuidade de financiamento de equipas de investigadores que demonstram ter elevada capacidade de inovação e de internacionalização contribuirá para reforçar o impacto da investigação que está a ser feita em Portugal, nomeadamente nas componentes da dimensão social dos incêndios e dos incêndios extremos.
 
1.6 Empresas e Universidade. Ainda são dois mundos?
 
Sim, pois a transferência de conhecimento científico encontra muitas barreiras. Na temática dos incêndios rurais o modelo de prevenção e gestão, que tem sido definido pelos sucessivos governos, é descendente e muito baseado em legislação e regulamentação que ignora as especificidades territoriais e os contextos sociais. Há dificuldades no estabelecimento de parcerias, por exemplo entre os municípios e as universidades, para a execução de projetos pilotos de prevenção e mitigação de incêndios pois o enquadramento regulamentar é excessivamente rígido. 
 
1.7 Qual o contributo do COMPETE 2020 para o percurso do projeto?
 
O contributo do COMPETE 2020 é fundamental para a execução do projeto e para atingir os objetivos propostos. 
O projeto FIREXTR é cofinanciado pelo COMPETE 2020 no âmbito do SAICT - Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica, com um investimento elegível de cerca de 200 mil euros, correspondendo a um incentivo FEDER de cerca de 170 mil euros.
O COMPETE 2020, nomeadamente através desta Newsletter, pode contribui para a disseminação do conhecimento que está a ser produzido pelo projeto FIREXTR e das inovações que propõe. 
 
Classificação dos incêndios:
 
 
 
Figura original que mostra que os incêndios são um fenómeno socio-ecológico
 
 
2. Nota biográfica
 
Fantina Tedim é Professora Auxiliar do Departamento de Geografia na FLUP desde o ano 2000, em que se doutorou em Geografia Humana. Desde 2016 é University Fellow na Universidade Charles Darwin, na Australia. Depois do doutoramento decidiu direcionar a sua área de investigação para a temática dos riscos naturais que em Portugal estava muito pouco desenvolvida e era apenas abordada na perspetiva do “paradigma dos perigos naturais”. Consciente da construção social dos riscos naturais criou, no ano letivo 2001-2002, o Curso Integrado de Estudos Pós-graduados em Gestão dos Riscos Naturais, o primeiro nesta temática a ser lecionado em Portugal, e que vigorou até à entrada em vigor dos novos ciclos de estudos no âmbito do Processo de Bolonha.  Atualmente, as suas principais temáticas de investigação são: a avaliação da vulnerabilidade e da resiliência, a prevenção dos riscos extremos, a comunicação do risco, a preparação da sociedade para manifestações extremas de riscos naturais, a gestão das catástrofes e a transferência do conhecimento científico para os operacionais. O seu interesse é multirrisco, mas a sua investigação tem-se focalizado nos incêndios rurais. 
 
Desde 2007, coordenou 2 projetos internacionais e 1 nacional, participou em 3 projetos europeus. Atualmente, coordena o projeto internacional FIREXTR - Prevenir e preparar a sociedade para incêndios extremos: o desafio de ver a “floresta” e não apenas as “arvores”.  Desde 2007, editou 5 livros, publicou 25 capítulos e 21 artigos com revisão por pares. Desde 2018, exerce a função de editora no International Journal of Disaster Risk Reduction. 
 
A referência do nosso artigo publicado em 25 de fevereiro de 2018 é:
Tedim, F.; Leone, V.; Amraoui, M.; Bouillon, C.; Coughlan, M.R.; Delogu, G.M.; Fernandes, P.M.; Ferreira, C.; McCaffrey, S.; McGee, T.K.; Parente, J.; Paton, D.; Pereira, M.G.; Ribeiro, L.M.; Viegas, D.X.; Xanthopoulos, G. Defining Extreme Wildfire Events: Difficulties, Challenges, and Impacts. Fire, 2018, 1, 9. (disponível em http://www.mdpi.com/2571-6255/1/1/9/htm)
 
Este artigo já foi mencionado nos seguintes artigos:
> Smith, A.; Lutz, J.; Hoffman, C.; Williamson, G.; Hudak, A. Preface: Special Issue on Wildland Fires. Land, 2018, 7, 46.
> Cruz, M.G.; Gould, J.S.; Hollis, J.J.; McCaw, W.L. A Hierarchical Classification of Wildland Fire Fuels for Australian Vegetation Types. Fire 2018, 1, 13.
> Parente, J.; Pereira, M.G.; Amraoui, M.; Fischer, E.M. Heat waves in Portugal: Current regime, changes in future climate and impacts on extreme wildfires.
> Science of The Total Environment, 2018, 631–632, p. 534-549.
 
3. Links
 

26/04/2018 , Por Cátia Silva Pinto
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